Veneno Bipolar

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A fênix

19 dias após chegar ao Brasil finalmente eu tenho a sensação de que a vida está começando a voltar aos eixos.

Ainda tenho alterado meu humor com muita rapidez, ontem acordei mais depressiva e logo após o almoço já estava melhor, agendando reuniões e tudo mais. Mas nos dois domingos eu fiquei bem mal, no atrasado eu cheguei a chorar e pedir ao Davi que me lembrasse quem eu sou e descrevesse como é minha vida, nesse eu não chorei, mas acordei muito pra baixo e segui assim até dormir.

Essa semana eu voltei a me sentir bem estando em minha pele. Essa sensação de conforto sendo você mesma é impagável. Me sentir estranha, não me reconhecer ou reconhecer minha vida foi uma das piores experiências que eu já vivi. Eu sabia quem eu era, mas ao mesmo tempo eu estava me sentindo tão diferente do que eu sempre fui, tão apavorada, com tanto medo e vendo tudo de forma tão negra e horrível, que eu comecei a não duvidar se eu era quem eu realmente pensava que era ou se eu era toda aquela coisa horrível e pavorosa que eu estava vivendo. Não conseguia me lembrar de como era quando eu estava bem, trabalhando, namorando, socializando, simplesmente não conseguia. E aí nesses momentos eu pedia ao meu marido que me lembrasse como eu era, como era minha vida, que me descrevesse tudo e me contasse histórias sobre nossa vida juntos. Isso me ajudava a diminuir o pânico e a começar a ter esperança que as coisas voltariam ao normal.

O transtorno do pânico, além de todos os males que causa, como altas descargas de adrenalina e cortisol, estresse físico e mental totalmente degradante e tornar a pessoa refém de um medo irracional e imensurável, ele tira a única coisa que consegue ser o fio da meada para pessoas deprimidas e perdidas dentro de sua própria dor: A ESPERANÇA. Pare e pense por um momento: você já se imaginou vivendo sem esperança? Pense com cuidado. Não estou falando daqueles momentos de extremo negativismo ou tristeza que todos passam, ou mesmo de depressão comum. Estou falando em você passar dias e dias sem conseguir enxergar UMA coisa boa, uma única coisa que seja um oásis no meio do seu deserto de dor e escuridão. A ausência completa de esperança cria um ciclo vicioso no qual o doente fica preso, pois sem esperança não há a expectativa de que aquele momento terrível vai passar e que as coisas vão melhorar. Sentindo isso o desespero aumenta, desencadeando a cascata de reações ao estresse, sendo o gatilho para outra crise de pânico. Ao final da crise, o corpo e a mente cansados, a ausência da esperança deixa o doente jogado em um limbo de completo cansaço, falta de energia e vontade de sumir do mapa.

Já tive algumas crises, várias tiveram mais ou menos a mesma natureza, a mesma gravidade, outras foram mais severas. Em meus 32 anos essa certamente foi a mais grave crise que já vivenciei. E hoje revendo tudo acredito que foi devido a dois fatores: múltiplas crises de pânico que certamente alteraram o meu funcionamento neuronal, e a ausência da esperança, que me deixou presa no ciclo vicioso acima descrito. E vejo que consegui sair dessa crise (ainda estou saindo, ainda estou lutando contra ela) graças a alguns pilares:

FAMÍLIA => o apoio da minha mãe, com quem sempre tive uma relação difícil, foi e está sendo essencial para meu restabelecimento. A sensação de ter com quem contar de verdade, de poder confiar, foi primordial para minha recuperação. Nunca havia vivido isso com minha mãe, então teve um significado ainda maior para mim. Minhas irmãs também estão mais solidárias, uma delas me viu no meu pior estado e desde então elas tem me respeitado e me acolhido mais. Meu marido…. ah, o meu marido! A convicção com que ele repetia que tudo ficaria bem, sem pestanejar por um segundo (eu podia ver nos seus olhos a plena confiança que ele tinha no que dizia), a doçura com que ele cuidou de mim como se eu fosse sua filha, a delicadeza e a caridade dele me tocam profundamente e me deixam apavorada de medo de um dia perdê-lo.

MÉDICO + MEDICAÇÃO: como eu disse, meu antigo psiquiatra, em quem eu confiava completamente, não me deu assistência em um momento de extrema urgência. Fiquei extremamente decepcionada, principalmente porque eu precisava de ajuda naquele momento e porque eu nunca o incomodei fora dos horários das consultas antes. Me senti desamparada, abandonada. Meu marido encontrou uma nova psiquiatra e eu tenho gostado bastante. As consultas são mais longas, ela me pergunta sobre a minha vida, meu passado, quer saber, coisa que o antigo já não fazia há um bom tempo. Está dando certo. Como eu disse, tentei ficar somente com a quetiapina de 25 mg e o Equilid de 50 mg durante a gestação, mas não consegui. Estou no quinto mês e infelizmente foi necessária a introdução de medicamentos depois do episódio nos EUA. Foi e está sendo difícil me recuperar, mas eu já tenho esperança novamente, tudo isso graças ao médico e à medicação.

TERAPIA: Faço terapia desde outubro de 2012 e minha melhora após o início da mesma foi espantosa. Tenho certeza de que a minha recuperação das crises, principalmente dessa, se deve muito ao apoio do meu terapeuta. Tenho total empatia com ele, não abro mão.

ACUPUNTURA: eu reajo muito bem e muito rápido à acupuntura para problemas psiquiátricos. No pós crise fiz duas sessões em uma semana e foi extremamente eficaz, agora voltei para o esquema de uma vez na semana.

Olhando todos esses itens, percebo que tenho uma rede que me sustenta. Sem ela eu não conseguiria sobreviver. Digo isso porque, sinceramente, não acredito que conseguira me manter viva, mesmo que incapacitada para atividades rotineiras, sem tudo isso. Se por um lado é maravilhoso perceber quantos recursos e amor me rodeiam, por outro vivo temerosa em um dia não poder arcar financeiramente com algum deles. Terapia é caro, psiquiatra e remédios também, meu plano já não cobre a acupuntura por isso pago particular. Chego a pensar até a longo prazo, na velhice, como será, pois pago INSS sobre apenas um salário, nosso plano de saúde é da empresa que meu marido trabalha, portanto não temos essa despesa hoje. Enfim…. preocupações demais que me torturam constantemente.

Mas hoje, só por hoje, eu quero me dar o direito de ter paz. De gozar da vida que Deus me deu. Marido amoroso, casa própria, filha na barriga, mãe e irmãs, sobrinho, trabalho digno aparecendo novamente. Quero usufruir dessa sensação de que tudo está sob controle novamente, nem que seja por alguns dias, ou apenas um. Esses momentos me alimentam e muitas vezes me mostram a luz no fim do túnel em meio a uma crise.

A esperança voltou.

Como fênix, mais uma vez ressurjo das cinzas.

 

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